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Ana Monteiro

Era digital e o nosso corpo: o efeito do que está nas nossas mãos, está nas nossas mãos

A era digital já mudou as nossas rotinas, as nossas relações e a forma como vivemos o mundo. E o nosso corpo, será que mudou?

Arriscaria a dizer que sim e a verdade é que estes efeitos começam a ser investigados pela comunidade científica.

Sem nos termos apercebido, os nossos empregos encheram-se de tecnologia, ecrãs, emails e muitas horas ao computador. Fazemos as compras no telefone, pagamos contas em aplicações e somos rápidos sem sair do sofá. Uma vida cómoda, facilitada e produtiva, sem dúvida. Mas claramente mais sedentária porque poupa o nosso físico, à excepção dos músculos dos olhos e das mãos.

E esta “poupança” dos músculos que nos mantêm de pé e a andar tem consequências a curto e a longo prazo, desde alterações posturais e da nossa morfologia, ao excesso de peso, alterações da digestão, do sono, do humor. É, na verdade, um tema tão vasto e tão complexo que vou tentar fazer um zoom (afastando o meu 2º e 3º dedos no ecrã), para tentarmos conhecer um destes fenómenos mais ao pormenor.

Muito se tem falado do efeito do uso prolongado de smartphones e ecrãs na nossa postura: poderá ter ouvido nomes como o turtle neck (pescoço de tartaruga), nerd neck (pescoço do estudante) ou iHunch. Nomes jocosos para descrever uma postura que afecta a maioria de nós e que não tem assim tanta graça, a chamada forward head posture (FHP) ou postura da cabeça anteriorizada.

Como o nome indica, trata-se de uma postura em que a cabeça está mais anterior que o resto do corpo, resultando numa sobrecarga para a coluna cervical por ter que fazer mais força para a aguentar – é que a cabeça fica mais pesada, com aumento de aproximadamente 4,5 kg por cada 2,5 cm de avanço!

E quais os efeitos de uma cabeça mais anterior e, por isso, mais pesada? Na verdade, são muitos e não só locais, na medida em que a posição a cabeça orienta a posição de todo o corpo. Os mais comuns são dores no pescoço e costas (principalmente na zona dorsal superior, entre o pescoço e as omoplatas) e dores de cabeça. Também disfunções na mandíbula, vista cansada, problemas discais, cansaço fácil e diminuição da capacidade respiratória por diminuição do movimento das primeiras costelas poderão dever-se a alterações posturais em que a cabeça “migrou” para a frente.


Para saber se faz parte desta grande fatia da sociedade com a cabeça para a frente, basta fazer um teste simples e rápido. Procure uma parede e encoste os seus calcanhares, bacia e omoplatas na mesma. Perceba agora qual a posição da sua cabeça: o topo da cabeça está junto da parede? Se a resposta for sim, parabéns, é caso raro. Se a resposta for não, quanto maior a distância entre a linha da orelha e a linha do ombro, maior a anterioridade – pode até pedir para lhe tirarem uma fotografia de perfil para comprovar.

Pense agora nos factores de risco e sintomas: passa muito tempo ao computador ou telemóvel? Sente rigidez ou dor ao mexer o pescoço? Tem dores na cervical quando acorda? Costuma ter dores de cabeça? Sente que os ombros estão enrolados para dentro? Alguns “sim” e a probabilidade desta postura estar a influenciar o seu corpo e qualidade-de-vida aumenta.

Agora, com o diagnóstico feito, deverá estar a perguntar-se acerca do que fazer para diminuir este peso extra da cabeça e assim, provavelmente, reduzir os sintomas.

Vamos dividir as soluções em dois momentos.

Momento 1, aquele-em-que-estou-em-frente-a-um-ecrã-e-agora. Reduza ao máximo esse tempo, faça pausas a cada 20 minutos (a própria tecnologia permite estes lembretes!), coloque o terço superior do seu ecrã ao nível dos olhos, escolha uma cadeira que lhe permita ter os cotovelos apoiados a cerca de 90º e os pés bem assentes no chão. Não se esqueça, claro, de perceber se tem algum défice de visão uma vez que não vendo bem, é normal que a cabeça se vá aproximando do ecrã. Em casa, privilegie atividades com as crianças fora do sofá, estabeleça limites temporais para jogos de computador e telemóvel e, acima de tudo, dê o exemplo! Momento 2, aquele chamado já-estive-tempo-de-mais-no-ecrã-e-agora-quero-fazer-aguma-coisa. Qualquer atividade física é salutar quando pensamos no combate ao sedentarismo. No entanto, se esta é a postura “para a frente”, faz sentido que privilegie exercícios que o levem “para trás”. Deixo dois exemplos. Coloque a palma da sua mão direita encostada à ponta do nariz. Agora, sem mexer a mão, recue o mais possível a ponta do nariz, esticando a parte de trás do pescoço. Coloque a mão esquerda encostada ao novo limite do seu nariz. A distância entre uma mão e outra foi o que conseguiu recuar! Mantenha esta posição durante 5 segundos e repita o processo 10 vezes, verá que a posição inicial será progressivamente melhorada e irá conseguir recuar cada vez mais!

Outro exercício que poderá fazer é na parede, numa posição similar ao teste. Mantendo o dorso das mãos e omoplatas encostados à parede, vá tentando aproximar o topo da cabeça à parede, fazendo o movimento de “duplo-queixo”. Enquanto respira profundamente, mantenha esta posição e conte os segundos que a consegue manter – assim, terá um ponto de partida para progredir (ou até competir em casa ou no trabalho)!

Claro que poderá necessitar de diminuir a tensão e dor cervical, alongar músculos que não o deixam corrigir a postura, fortalecer os que o mantêm na postura certa e conferir mobilidade às zonas mais rígidas – aqui poderá utilizar o smartphone mas para ligar ao seu fisioterapeuta!

A própria tecnologia oferece inúmeras opções para combater os malefícios do seu excesso, o que não deixa de ser engraçado: vemos hoje em dia aplicações que nos lembram de fazer exercício, avaliam a nossa performance, já há t-shirts que nos corrigem a postura, programas de reabilitação à distância, jogos de reabilitação interactivos!...

Ou seja, a tecnologia veio para ficar e mudar as nossas vidas. Se muda o nosso corpo para pior, só depende de nós e dos limites que lhe impomos.

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